Matheus Ribs | o ponto entre a flecha | 2024
‘Eu cheguei na sua aldeia, pra fazer encanteria.’ (Paulo César Pinheiro)Há sempre algo a buscar para aqueles que nasceram entre. A condição de ser e estar entre algo, não é necessariamente estar no meio, posicionado em um possível ponto de equilíbrio entre duas forças ou realidades. Estar entre envolve enfrentar o caminho, deixar-se entrelaçar pelas histórias e visões que se encontram até chegar ao que se busca: alcançar alguma forma de sentido em si, e por isso, também no outro.O ponto. Entre. A flecha é a primeira individual de Matheus Ribs na Galeria Base, onde o artista nos mostra para além do conjunto de obras que aqui podemos ver e sentir, os fundamentos de seu ofício. Desde o fundamento da forma, como desenhos e estudos, ao momento em que nos convida a entrar no seu trabalho e compreender o encontro, a partilha, os desejos e inquietações que orientam sua prática como ser vivente que é artista.Nascido no Rocinha, Matheus é filho de mãe cearense e pai maranhense, sendo assim até poderíamos falar de um artista carioca, mas ao mesmo tempo temos que reconhecer que são muitos os rios que desaguam na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Cercada de águas, entre o Oceano e a Mata Atlântica, Rio ambiente de conflitos é também lugar de confluências. A cidade guarda no riscado de seu chão a memória, a história e as encantarias de gerações que ali habitaram.
Foi com tal consciência que Matheus, vivenciando esses múltiplos rios, se dedicou ao estudo das ciências sociais, ao ativismo político estudantil e alicerçou, sobre esse chão, o pensamento que faz com que seu trabalho reflita sobre questões ambientais e sociopolíticas do território em brasa que convencionamos chamar Brasil.
Entre modos de vida e sociabilidades, em busca de si e questionando identidades, Matheus encontrou filosofias de povos e comunidades culturais e religiosas que se relacionam com a terra como quem cuida de um ente: ao reconhecer sua importância e sua agência, a tratam de maneira respeitosa e cultivam, como uma flecha que atravessa o tempo, lógicas que desafiam o violento sentido capitalista de apropriação e exploração.
Tais filosofias, que o pensamento ocidental insiste em chamar de cosmologias ou cosmovisões – como se fossem de outra ordem – ainda que particulares, guardam semelhanças e belos encontros. Entre tantas certezas cartesianas, entre realidades objetivas e desejos materiais, entrelaçado ao trabalho e ao fundamento do fazer artístico, há ainda o que encanta. A incessante luta, a relação com a terra, os usos das folhagens, ritos, instrumentos, gestos, o tempo e o mistério. Dimensões que nos guiam para uma reordenação do que sempre pôde ser o mundo.
Texto: Lorraine Mendes