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LUIZ MARTINS

PASSOS AO PASSADO

 

“Era demasiado belo para não ser verdade.”
James Watson, com Francis Crick, quando descobriram a estrutura de dupla hélice do DNA

 

O senso comum leva a pensar que os nossos mais remotos antepassados, porque eram despossuídos da escrita e de cidades, entre outros recursos revolucionários, eram mais simples que nós. Pois não é bem isso o que leva a concluir o exame de seus vestígios, especialmente as pinturas e as gravuras rupestres, no Brasil abundantemente encontradas no sítio arqueológico da Pedra do Ingá, na Paraíba, encravada no Seridó, uma região localizada no Sertão paraibano e potiguar, alvo constante de pesquisas de Luiz Martins. Embora esta sua exposição deva-se grandemente às suas viagens à Pedra do Ingá, ela ainda contabiliza achados a sudeste dali, no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, defendida pela acreditada arqueóloga Niède Guidon, como a mais antiga concentração de sítios-pré-históricos da América - não só da América Latina, veja bem, mas de toda América. Mas Luiz não se limita a esses dois sítios, estudando, viajando e documentando, desde há muito tempo, pela literatura, pelo Centro-Oeste e Sul do país, as pinturas e os insumos gráficos, de base de seus desenhos, colagens, pinturas e esculturas.

As conjecturas sobre esse material vasto e inspirador são variadas o que é prova do quanto são insatisfatórias. Entre as mais férteis, está a do filósofo napolitano Giambattista Vico, não por acaso o pai da História, tal como é modernamente entendida, que a distingue como linguagem mítica, entendendo-a como resultado do embate entre os homens e as coisas que não fazem sentido a eles, cuja causa lhes escapa, fazendo uso da semelhança, comparações e fantasia. A fantasia que frequentemente faz limite com oque chamamos de beleza.


O que são, o que significam as incisões sobre pedra, as gravuras rupestres deixadas pelos habitantes ancestrais do Pantanal brasileiro? Os desenhos originais sugerem rotas lineares que se interrompem para circunscrever círculos e que prosseguem até mais adiante. A esses grafismos enigmáticos Luiz Martins propõe outros enigmas, como os discos achatados de mármore claro e granito escuro, todos eles com duas, três, quatro ou mais perfurações, ao menos uma delas atravessada por uma longa haste de madeira de seção circular que não só possibilita que cada disco fique em pé como sugere que ele poderia rolar sobre o eixo, desenhando um sulco sobre um chão macio. Que escultura/engrenagem é essa, proposta pelo artista? Seria aparentada com uma mó, com o mostrador de um relógio?

As obras de Luiz Martins levam a pensar que o nascimento da linguagem implica no nascimento do mundo, tanto na representação das coisas existentes quanto na prefiguração das inexistentes, daquelas a serem inventadas ou aperfeiçoadas.

Ao lado dessas esculturas circulares, engatadas em hastes cilíndricas que, impulsionadas, desenharão círculos, vêm as pinturas sobre papel e as colagens, protagonizados por formas irregulares, achatadas e escandidas como lemes de barcos, foices, enxadas, pás, artefatos cuja origem se perde no tempo, todos eles essenciais, cada um deles uma descoberta formidável, digna de celebração. Em alguns de seus trabalhos essas formas vêm isoladas e representadas em grande escala, em outras, acontece uma espécie de levantamento, uma coleção de formas, a maneira de um catálogo das maravilhas inventadas. E que não se pense que essas formas acontecem em soluções lisas, ideais, como se fossem projetos. Nosso artista também é um leitor atento do mundo, da sua matéria vária, de véus diáfanos transparentes até a carapaça rígida de um inseto ou de uma semente que não irromperá a não ser quando observadas as condições ambientais necessárias.

A relação com o passado irriga o presente fertilizando-o. Esse é o caso da grande pintura azul, um horizonte suspendido atravessado por duas ordens de retículas, interrompidas por dois totens, dois monolitos, duas edificações aparentadas com os megaedificios de agora? A mesma dubiedade ataca as pinturas ocupadas por círculos desenhados à mão. Uma ilusão à geometria ainda em estado embrionário ou o impulso que levou à formulação de um cintamento no território, a demarcação de uma área interior em oposição ao desmesura do espaço exterior? Teria sido assim o primeiro registro da ideia de um abrigo, de uma casa?



Agnaldo Farias
 

Abertura: 17 JUN 2023, sábado, às 12h

Período: 17 JUN a 5 AGO de 2023

 

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