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GUILHERME ALMEIDA

 

ESTE SORRISO QUE

EM MIM EMANA

Poeta, por que choras? Que triste melancolia.

É que minh'alma ignora

O esplendor da alegria.

Este sorriso que em mim emana,

A minha própria alma engana.

Riso de poeta. Carolina Maria de Jesus, 1996.

O título desta exposição é trecho do poema de Carolina Maria de Jesus, escritora fundamental no Brasil e que, de maneira quase heróica, superou a pobreza e as condições precárias de sua vida, criando uma obra contundente, que expõe as mazelas sociais do país; mas que, em contraponto, é sopro de esperança. E de forma complementar, é importante a frase da escritora e ativista Juliana Borges, “Uma mulher negra feliz é um ato revolucionário”. Felicidade e sorriso equacionam uma ferramenta potente para a população negra como símbolo de resistência e força contra o racismo estrutural arraigado na sociedade brasileira, que mantém um discurso pautado na constituição de uma sociedade escravocrata que persiste, com nova roupagem, na manutenção dos mecanismos de opressão, repressão e exploração.

 

Na sua primeira individual em São Paulo, Guilherme Almeida, artista de Salvador, a cidade mais negra do país (e também uma das mais alegres), apresenta obras da sua série “Destruição dos mercados” que teve início em 2019 e continua sendo revisitada em sua pesquisa. A exposição apresenta um paralelo interessante entre o caráter biográfico dos trabalhos e a representação de pessoas negras bastante conhecidas, vencedoras. A primeira obra da mostra, e única anterior a série, ajuda a compreender a prática do artista ao se valer da sua vivência para a criação do vocabulário estético. Apresenta jovens, assim como ele, transbordando alegria por entrarem na universidade pública.

 

A pesquisa anterior de Almeida na pintura era no campo da abstração e possuía boa recepção crítica ao seu trabalho, até que um dia, em uma exposição, notou que pessoas jovens e seus amigos sentiam que aquele tipo de trabalho não era para eles, pois era distante do universo deles e por isso não criava identificação. E esse era o público com quem Guilherme sempre quis dialogar: os jovens e os seus.

 

Outro ponto que ajuda a montar essa estética singular nas figuras de Guilherme é seu encontro, ainda na faculdade, com o filósofo francês Jean- Paul Sartre em seu livro sobre Alberto Giacometti, o grande artista suíço que sempre emulou em seu trabalho noções de figuração e abstração. Almeida viu ali o caminho que gostaria de seguir, uma pintura figurativa, que consegue dialogar com os jovens, mas que tem pés fincados na abstração através de camadas pictóricas densas, uniformes e chapadas, resultando em uma imagem forte, e extremamente pessoal. Na maioria das obras o suporte da pintura é o jornal, material barato, que sempre esteve presente em sua casa, e que responde a uma outra pesquisa importante do artista: a utilização de materiais banais e cotidianos, em contraponto aos suportes eurocentrados que eram ensinados na faculdade, e dos quais Guilherme queria escapar. E por fim uma necessidade de uma obra otimista, que se afasta da representação direta da tristeza e dores negras, mas que em nenhum momento são esquecidas pelo artista, até mesmo porque os sorrisos aqui são armas.

 

A série “Destruição dos Mercados” resgata o sorriso que intitula essa exposição como metáfora. No período da escravidão ficou perpetuada a imagem dos senhores de engenho abrindo de maneira violenta a boca dos negros nos mercados de escravos. A dentição saudável era elemento fundamental na escolha dos “melhores”. Destruir esses mercados é, segundo Guilherme, mostrar força e positividade frente a barbárie diária. Obra importante nesse contexto, a série de pinturas de diversos sorrisos nas quais negros os exibem utilizando joias de ouro nos dentes, evidenciando um sorriso que agora é motivo de orgulho e ao cobri-los de ouro denota resistência e poder.

Na série de retratos sobre jornal, a maior e principal pintura é um retrato orgulhoso de sua família, ecoando gratidão. Todos os outros são figuras que o artista considera como inspiração, os que representam que é possível sim um negro ser vitorioso e bem-sucedido em todas as áreas. Nessa série destaco o retrato de Elza Soares, uma das maiores cantoras do mundo falecida há algumas semanas. Sua vida representa o que é ser negro no Brasil, a luta diária, o sofrimento, o racismo, a violência e até mesmo o ostracismo, mas que com muita força (e Elza era uma força da natureza) consegue romper com essas correntes e vencer! E sim, Elza sempre dizia que o mais importante no final é ser feliz.

 

O “sorriso” de Carolina de Jesus, que sempre inspirou o artista, eclodiu na sua participação na belíssima exposição em homenagem à escritora no IMS Paulista, com seus retratos presentes também nessa exposição. Guilherme entendeu desde sempre, na sua família, que apesar da forma modesta que viviam é possível sonhar e é possível ser feliz. E essa exposição transborda sorrisos e vitórias mesmo quando se chocam com feridas escravocratas ainda abertas. O conjunto aqui apresentado é de força criativa e estética únicos, mas acima de tudo é um ato revolucionário. 

 

Paulo Azeco

Texto e Curadoria

 

 

Abertura: 12 MAR 2022, sábado, das 12h às 17h

Período: 15 MAR a 14 MAI de 2022

 

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