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CHICO DA SILVA:

A BOCA DO MUNDO

"A minha pintura é a minha própria linguagem. Sobre o sentido da alegria que sinto, ela é grande, e sobre a beleza que vejo no matizado das cores, ela é rica. O que sai do meu coração é rico e bonito; eu é que sou feio e pobre".

O artista Chico da Silva (Alto Tejo, Acre, 1922/23 – Fortaleza, Ceará, 1985), com seu  impressionante vigor para reinvenção, constrói, através da sua visualidade, uma importante caligrafia, que abarca uma natureza e uma animalidade fabular inseridas numa cosmologia onde a figura humana pouco aparece e na qual seres de diferentes espécies, reais ou não,  habitam um território de disputas e conflitos. As relações que se estabelecem indicam a defesa do território, as brigas pelo alimento, a proteção e o acolhimento das crias, assim como a boca que rege e orquestra diferentes coreografias e performatividades. Por décadas, Chico da Silva teve seu nome associado a diferentes clichês, que lhe conferiram inúmeras violências, preconceitos e racismos.

 

A história da arte brasileira é constituída por inúmeras lacunas e invisibilidades que compõem violentas narrativas de apagamentos. Chico da Silva abarca um dos mais expressivos desses casos de manipulação, ao ser vinculado à ideia de uma “auto-falsificação” e não-adequação. Mesmo num movimento involuntário, há uma performatividade da desobediência que se insurge contra os modelos pré-estabelecidos, que reconfigura o lugar do “primitivo” e desordena aquilo que se espera do “fenômeno”.

 

Chico gostava de performar na linguagem, criar palavras e subverter seus sentidos, como se abraçasse ali um mundo particular − pelo qual ele regia os signos e o “outro” − que expressasse sua modernidade própria. Com seus habituais óculos escuros, a boca com símbolo abrangia não só o ritmo das expressões inventadas, iluminadas pelo ouro dos seus dentes. A boca de ouro de Chico da Silva responde a cruéis processos colonizadores que seu corpo e sua subjetividade atravessaram nas rotas entre o Norte e o Nordeste que marcaram para sempre a História do Brasil e a sua própria invenção. A boca regente que atravessa sua visualidade indica, em muito, uma alegoria de mundo ou um território do conflito que se anuncia entre peixes, pássaros, dragões, galos, serpentes, gaviões e outras hibridizações.

 

Chico possui uma data de nascimento ainda indefinida, que se presume entre os anos de 1922 ou 1923. Estamos, portanto, no período de seu centenário, um bom momento para uma revisão histórica. Há um movimento acontecendo, de inserção da sua obra em importantes coleções institucionais, assim como os interesses do próprio circuito brasileiro das artes visuais em reposicionar a produção de Chico da Silva. São necessários ainda estudos mais amplos em torno de sua vida e da sua arte. É impossível acioná-lo sem a chave biográfica e sem a pulsante relação que se estabelece entre as distintas paisagens que seu corpo atravessa, desde o sertão central cearense até a Amazônia, do Acre à Fortaleza e o contexto político-social que sua história amplifica junto ao Ciclo da Borracha e à fascinante estratégia de pensar coletivamente o seu trabalho através da Escola do Pirambu.

 

Neste momento, a Pinacoteca de São Paulo apresenta uma grande exposição monográfica sobre a produção de Chico da Silva e da Escola do Pirambu. A Galeria Base, que já desenvolve um valioso trabalho em torno de produções e artistas que se localizam nesses desvios da história e do circuito, apresenta aqui um conjunto de 19 obras, na sua maioria guache sobre papel, dos anos de 1960, compondo um instigante conjunto que evidencia o signo da boca na obra de Chico da Silva; a boca como estratégia de sobrevivência e de vida.

 

Bitu Cassundé

Curador, pesquisador

Abertura: 18 MAR 2023, sábado, das 12h às 16h

Período: 18 MAR a 15 ABR de 2023

 

G A L E R I A B A S E  |  www.galeriabase.com.br

Alameda Franca, 1030 | Jardim Paulista

São Paulo | SP

(11) 3062-6230

Terça a sexta-feira, das 11 às 19h

Sábados das 11 às 15h 

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