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Samico e Suassuna | Lunário Perpétuo

Do Cordel ao Armorial

 

“A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos “folhetos” do Romanceiro Popular do Nordeste (Literatura de Cordel), com a Música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus “cantares”, e com a Xilogravura que ilustra suas capas, assim como com o espírito e a forma das Artes e espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro relacionados.”[1]

 

 Ariano Suassuna (1927-2014)

Em 18 de outubro de 1970 uma exposição foi organizada na Igreja de São Pedro dos Clérigos, localizada no Pátio de São Pedro, no centro da cidade do Recife. A exposição, que contou com diversas manifestações artísticas, inaugurava oficialmente, ao som da recém-criada Orquestra Armorial de Câmara, o Movimento Armorial.

 

Encabeçado pelo escritor Ariano Suassuna, o Movimento Armorial teve o desejo de criar uma forma de arte singular a partir de elementos da cultura popular nordestina, englobando diversas manifestações artísticas como a literatura, dança, artes plásticas, teatro e cinema. Nascido no âmbito universitário, com o apoio do Departamento de Extensão Cultural da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários da Universidade Federal de Pernambuco, da Prefeitura do Recife e da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco, o objetivo do movimento era criar uma forma de arte brasileira considerada “erudita”, porém enraizada na cultura popular. Seu nome provém do francês “armoiries” ou “armes” (Armas), partindo da ideia construção de uma “Heráldica Nordestina”, na construção de brasões de armas, grafismos e até uma tipografia própria nordestina a partir da Heráldica Europeia do século XII.

 

Desse movimento surgiram artistas que refletem em suas produções esse espírito, e outros já atuantes que aderem ao movimento, como por exemplo, o gravador Gilvan Samico (1928-2013). A obra de Samico tem como cerne a técnica de xilogravura, utilizada por artistas da Literatura de Cordel, como por exemplo o grande cordelista J.Borges. Brasões, insígnias, e diversos símbolos são vistos na produção do artista, que de maneira própria, constrói uma narrativa traduzida em imagens de contos, lendas, anedotas e histórias. Essa forma de compor pode ser vista também no próprio conjunto de Iluminogravuras produzidas por Ariano Suassuna. Na década de 1980 Suassuna publicou “Dez sonetos com mote alheio” (1980) e “Sonetos de Albano Cervonegro” (1985), álbuns com dez Iluminogravuras cada, onde poemas se articulam com ilustrações de sua autoria.

 

A Galeria Base, que agora inaugura seu novo espaço, dedica sua primeira exposição a este movimento, entre obras visuais e literárias de Ariano Suassuna, gravuras de Samico realizadas antes e durante sua participação no Movimento Armorial, bem como os Cordéis de J. Borges –  lembrando que a literatura de Cordel foi um dos antecessores fundamentais para o desenvolvimento do Movimento Armorial –, além de outras obras que refletem suas influências e desdobramentos.

 

Chamada de Samico e Suassuna - Lunário Perpétuo, a exposição faz menção à publicação Lunário Perpétuo de Jerónimo Cortés, publicado em Valência em 1594, grande referência para literatura de cordel. Publicado no Brasil em 1703, a publicação se torna sucesso principalmente no nordeste do país.[2]

 

A Literatura de Cordel surge no século XVI em Portugal, seu nome vem do modo como as obras eram expostas, penduradas em cordas, como em um varal. No Brasil, as primeiras impressões de Cordel datam da metade do século XIX, e ganha força no nordeste do país, juntamente com a xilogravura, usada para ilustrar suas capas.

 

A xilogravura é presença marcante não apenas na Arte popular do Nordeste Brasileiro, mas também na história da Arte Brasileira. Samico, que desenvolveu sua obra em xilogravura com técnica precisa e impressionante, teve contato em sua trajetória com o gravador Oswaldo Goeldi (1895-1961). As gravuras de Samico apresentadas na exposição, traçam um arco da produção do artista de 1959 a 2012[3] onde é possível notar a influência de Goeldi na obra, e o desenvolvimento de uma identidade visual única.

 

Assim como Samico, a artista ítalo-brasileira Ana Maria Maiolino também teve contato com Goeldi. Maiolino foi aluna ouvinte do curso de gravura ministrado por Goeldi na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro. As obras da artista presentes na mostra refletem não só na técnica da xilogravura, mas na construção das imagens e na simbologia, o interesse da artista pelo Cordel e pela xilogravura nordestina brasileira.

 

Na contemporaneidade a linguagem do Cordel, e até a própria obra de Suassuna e Samico, reverberam na produção de artistas contemporâneos que usam até do grafite como meio. Derlon é um desses artistas.  Seus grafites sobre os muros da cidade, desenhos, ou gravuras se apresentam como uma forma de ressignificar o armorial nos dias de hoje. Se o Armorial se voltou para o popular como a construção de uma forma de arte dita “erudita”, isolada do mundo para ocupar os museus e espaços de arte, artistas como Derlon fazem agora um caminho contrário, devolvem o Armorial para o mundo.

 

Douglas de Freitas

Serviço:

“Samico e Suassuna | Lunário Perpétuo”, com curadoria de Douglas de Freitas
Abertura: dia 26 de setembro, sábado, das 11 às 18 horas
Período expositivo: até 14 de novembro de 2020

Galeria Base
Endereço: Alameda Franca, 1030 | Jardim Paulista
São Paulo, SP | 01422-002
Horários: de terça a sexta, das 11 às 19h; e sábados das 11 às 15 horas
Telefones: (11) 3062-6230  | 98116-6261 e 98327-9775
contato@galeriabase.com.br

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