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Carimbos | José Cláudio

No momento em que completam 50 anos, os Carimbos de José Cláudio driblam, por fim, a reserva com a qual até então tinham sido apresentados publicamente. Antes da exposição panorâmica da série, realizada ano passado no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, em Recife, as ocasionais aparições dos Carimbos terminaram por prorrogar, aos dias de hoje, um acesso de fato significativo a esse precioso momento da trajetória do artista pernambucano. Preservado nas mapotecas de raros amigos, colecionadores e instituições, o conjunto surpreende por sua amplitude e complexidade: entre 1968 e 1972, José Cláudio deve ter produzido ao menos duas centenas de trabalhos que esgarçaram e tensionaram o caráter reiterativo do carimbo numa volúpia de diferenças e singularidades de todo tipo.

 

É preciso pontuar que, como revela o artista, os carimbos “aconteceram sem nenhuma ideia deliberada de vanguarda ou experimentalismo”. Foram, antes, uma saída criativa a um problema de ordem técnica: nos anos 1960, como desenhista da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), José Cláudio precisou encontrar uma solução rápida para reproduzir grandes áreas de vegetação em plantas cartográficas: “o mapa ficou pronto, mas eu continuei em casa brincando com os carimbinhos por puro deleite”. O que se segue são anos de experimentação que o desenho em trabalhos que exploram aspectos tão diversos quanto os signos linguísticos, a narrativa ou as possibilidades gráficas das superfícies. Ao mesmo tempo, politizada, a reprodutibilidade dos carimbos acendia a ética de uma arte cujos gestos não são sempre únicos, tampouco extraordinários – ecos da agenda comunista latente em José Cláudio desde seus tempos de Ateliê Coletivo (1952-1957).

 

Ao final dos anos 1960, abraçado pelo poema/processo através de Jommard Muniz de Britto e Moacy Cirne, José Cláudio produziu livros de artista articulando carimbos, desenho, pintura, colagem e técnicas de impressão. Seus livros se constituíam a partir dos acontecimentos de seu próprio processo de criação, sem roteiro prévio, incorporando acasos e abertos à participação de outras pessoas, como em 1968 apontava em carta a Walter Zanini: “eu corto os carimbinhos e os modifico às vezes no próprio desenrolar do (de um) desenho, como igualmente posso usar o mesmo carimbinho (ou os mesmos) para compor vários desenhos diferentes”. Além dos livros de artista, José Cláudio teve seus poemas incluídos nas publicações do movimento, bem como relidos e apropriados por outrxs artistas, conforme a prática da produção de versões tão cara ao poema/processo.

 

A despeito de toda a potência plástica e política que vinha sendo gestada nos desenhos e nos carimbos daquela virada para os anos 1970 – ou, talvez, precisamente por essa força de criação –, é também nesse período que José Cláudio retoma a pintura, tornando-se eminentemente conhecido como o “pintor de Olinda”. Ainda que breves, aqueles anos de trabalho repercutiram imediatamente nos artistas do poema/processo, da arte postal e da – assim chamada – arte conceitual brasileira. Nem tão remotamente, reverberaram também no campo das artes gráficas. E, embora cada vez mais distantes no tempo, continuaram excitando nossos imaginários e nossas referências de liberdade e de experimentação.

 

Clarissa Diniz

curadora

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