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MONTEZ MAGNO

MÁXIMO, MÚLTIPLO, INCOMUM

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Quantas são as caras, os perfis de Montez Magno, o mago de Timbaúba, zona da mata pernambucana, irredutível a estilos, tão poeta quanto artista plástico, irredutível a qualquer coisa, a começar por estilos, experimental a qualquer custo - material, técnica, conceito -, quem, afinal, se oculta atrás desses dois nomes que, juntos, sugerem tamanha grandeza?

Montez Magno sempre foi muitos, desde sempre, multiplicidade catalisada a partir do momento em que passou a frequentar o Gráfico Amador, a oficina gráfica criada em 1954, em Recife, por Gastão de Holanda, João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna e, no que mais tocava o jovem artista, Aloisio Magalhães, que o estimulou a fazer de tudo, a trabalhar com o que encontrasse, a operar com afinco no território da pintura, estudando suas particularidades, mas indo muito além, rumo aos materiais e instrumentos catados mundo afora, a começar pelos próprios dedos, como acontece em Minhas impressões são as mais digitais, de 1973, uma obra composta pela proliferação de suas digitais carimbadas.

Embora concentrada nos anos 1970, década em que Montez Magno avançou em profundidade na discussão do que é arte, parafraseando em chave pessoalíssima artistas que lhe eram referenciais, como Marcel Duchamp – Ar de Olinda (1972), e Stéphane Mallarmé - Série Um lance de dados (1973), esta exposição abrange trabalhos realizados na década de 1950 até a década de 1990. Contemplar pausadamente essas obras significa experimentar sentimentos variados, ser visitado pela calma e delicadeza até o humor cáustico. Há também a melancolia. E também a sensação de claustrofobia, que se desprende das três pinturas pertencente à Série Labirinto.

Realizadas no ano de 1967, quando a ditadura militar começava a impor sua ordem implacável, os labirintos de Montez Magno não se reduzem aos espaços desconcertantes de escadas, portas, paredes e corredores sem fim. Neles há apenas uma sucessão de paredes prensadas, corredores reduzidos a linhas. Entra-se por todos os lados, mas deles não se pode sair por força do esmagamento. Suas cores vivas atuam como armadilhas para os olhos, atraentes, sem dúvida, eficazmente utilizadas para enclausurar quem delas se aproxima.

 

Uma das pinturas mais antigas – Sem título (1962) -, pauta-se na contenção: um quadrado de bordas ovaladas sustenta um círculo; ambas figuras geométricas, assinale-se, confinam com dados e ovos, signos de sua preferência. O equilíbrio das duas formas, inscritas dentro de um retângulo quadrado, convém não esquecer, contrastam com a luminosidade cítrica, própria da atmosfera pernambucana, como ele mais tarde explicaria. Se em suas telas a luz do nordeste é pensada, sopesada e incorporada na qualidade de signo sutil, as fachadas das casas nordestinas, as mesmas que atraíram a fotógrafa Ana Mariani, comporiam as pinturas focadas em geometrias alusivas, nunca explicitas, a inteligência da tradição construtiva e cromática do povo brasileiro. E basta um único exemplar nesta mostra para esclarecer a acuidade de Montez Magno no tangenciamento entre a linguagem abstrata e a figurativa. Aliás, relação semelhante é explorada nas duas pinturas provenientes da Série Mondrian (1995). Nessas, nosso artista extrai os elementos característicos, as faixas verticais e horizontais, as três cores primárias mais o branco e o preto, para submetê-los ao marrom claro, vibrante, aberto, do chão do Nordeste. Ainda dentro dessa família de pinturas, sublinhe-se a força do exemplar pertencente ao 4º ciclo da Série Barracas do Nordeste, de 1993, o enunciado de volumes tensos, submetidos à torções, como se isso fosse necessário para que coubessem nos limites quadrangulares do cartão em que foram pintados. Os volumes são recobertos de cores vivas, inspiradas nos barracos das vendas, bares, mocambos, que se valem de cores enfáticas para se destacar na paisagem, cores aplicadas em motivos aparentados com as bandeirinhas e mastros de Volpi, embora atormentados.

Eu é um outro. O artista e poeta Montez Magno apropria-se da famosa frase de seu colega Arthur Rimbaud para abrir seu trabalho em bifurcações. Nesse sentido, talvez o ponto mais alto dessa reunião sintética e precisa de suas obras, sejam os objetos, menos conhecidos ao mesmo tempo que surpreendentes. Objeto vouyeurista, (1972), um pedaço retangular de uma porta cortada na altura da maçaneta, com a fechadura, signo clássico do prazer ilícito da contemplação não consentida, do espreitamento da vida alheia, hoje mais do que nunca cultuado, que o digam os reality shows. O problema é que a maçaneta e sua correspondente fechadura está de cabeça para baixo, insinuando que olhar através dela significará adentrar em um mundo virado do avesso, balizado não pelo chão mas pelo céu.

Monumento a Colombo (1973) coloca em pé, perfilados e altivos, dois ovos. O ovo, signo da fertilidade, do aconchego, da explosão iminente de uma vida que rebenta para escorrer e fecundar seu entorno, apresentado como troféu da conquista, rígido, adestrado? Ou seria justamente o contrário, seu posicionamento hierático revela seu potencial de resistência, a vida delicada, em estágio larvar como defesa à truculência reinante num dos mais tristes períodos da história do nosso país, quando o aparato destrutivo da ditadura recrudescia.

Realizada em 1970, a escultura manipulável feita com uma fita larga de metal arrematada em cada uma de suas extremidades por um toco de madeira, sublinha, a um só tempo, a relação do artista com a produção neoconcreta, mais propriamente com os Bichos de Lygia Clark, e o modo como se distancia dela. Lygia Clark oferecia algumas opções formais a todo aquele que manipulasse um de seus Bichos. Montez Magno não, sua estratégia é de abrir a peça à manipulação sem incorrer em maiores direcionamentos. Nesse sentido, qualquer ação sobre a peça, por discreta que seja, altera-a seu corpo. E o autor da ação, liberto de qualquer compromisso prescrito pelo artista, está por sua conta e risco. Enquanto o artista, por simetria, por não se impor ao outro, abre mão do seu lugar e, com isso, reinventa-se o tempo todo.

TEXTO CRÍTICO: AGNALDO FARIAS

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Outono, 1973 - Fotografia, madeira e folhas secas - 72 x 63 cm

OBS. Obra reproduzida no livro do artista. Editora Paés | Obra reproduzida no catálogo da exposição Algúria na Pinacoteca de São Paulo

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Outono, 1973 - Fotografia, madeira e folhas secas - 66 x 60 cm

OBS. Obra reproduzida no livro do artista. Editora Paés | Obra reproduzida no catálogo da exposição Algúria na Pinacoteca de São Paulo

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Sem título, da série Tantra, 1975 - Cortiça e acrílica sobre eucatex - 100 x 77 cm

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Paisagem Outonal, 1974 - Tinta óleo sobre eucatex - 70 x 100 cm

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Paisagem lunar, 1973 - Madeira, cortiça e betume - 67,5 x 58 x 10 cm

(Coleção particular)

OBS. Obra reproduzida no livro do artista. Editora Paés | Obra reproduzida no catálogo da exposição Algúria na Pinacoteca de São Paulo

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Ouro de Cuba, 1973 - Cortiça, betume, madeira e ferro - 50 x 45 x 9 cm

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Série Labirinto, 1967 - Tinta acrílica sobre cartão betumado - 116 x 131 cm

OBS. Obra reproduzida no livro do artista. Editora Paés | Obra reproduzida no catálogo da exposição Nosso Norte é o Sul, na Galeria Gomide & Co

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Série Labirinto, 1967 - Tinta acrílica sobre cartão betumado - 116 x 131 cm

OBS. Obra reproduzida no livro do artista. Editora Paés | Obra reproduzida no catálogo da exposição Nosso Norte é o Sul, na Galeria Gomide & Co

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Série Labirinto, 1967 - Tinta acrílica sobre cartão betumado - 116 x 131 cm

OBS. Obra reproduzida no livro do artista. Editora Paés | Obra reproduzida no catálogo da exposição Nosso Norte é o Sul, na Galeria Gomide & Co

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Ar de Olinda, 1972 - Madeira e Vidro - 80 x 23 x 36 cm

OBS. Obra reproduzida no livro do artista. Editora Paés | Obra reproduzida no catálogo da exposição Algúria na Pinacoteca de São Paulo | Obra reproduzida na biografia do artista, Editora Cepe

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A última partida, 1973 - Fotografia e colagem sobre caixa de papelão - 34 x 23 x 1 cm

OBS. Obra reproduzida no livro do artista. Editora Paés | Obra participou da ArtBasel Miami 2019 na Galeria Gomide & Co

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Sem título, 1972 - Fotografia analógica e colagem - 24 x 34 cm

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Série Um lance de dados, 1973 - Fotografia - 17 x 23 cm

OBS. Obra reproduzida no livro do artista. Editora Paés | Obra reproduzida no catálogo da exposição Algúria na Pinacoteca de São Paulo

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Minhas impressões são as mais digitais, 1973

Grafite, letraset e impressões digitais com nanquim

50 x 50 cm

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Objeto vouyeurista, 1972 - Madeira, metal e fotografia - 29 x 21 x 10 cm

(coleção particular)

OBS. Obra reproduzida no livro do artista. Editora Paés

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Ludus Bellicum, 1973 - Madeira, vidro e soldados de chumbo - 27 x 10 cm

(coleção particular)

OBS. Obra reproduzida no livro do artista. Editora Paés

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Monumento a Colombo, 1973 - Madeira e metal - 19,5 x 16 x 12,5 cm

(coleção particular)

OBS. Obra reproduzida no livro do artista. Editora Paés

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Fitas em conserva, 1973

Vidros, fitas e fios

15 x 11 cm

Circuito engarrafado, 1973

Vidros, fitas e fios

17 x 10 cm

Fitas em conserva, 1973

Vidros, fitas e fios

8 x 12 cm

OBS. Obra reproduzida no livro do artista. Editora Paés | Obra reproduzida no catálogo da exposição Algúria na Pinacoteca de São Paulo

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Sem título, 1657 - Nanquim, giz de cera sobre papel - 21 x 26,5 cm

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Sem título, 1657 - Nanquim, giz de cera sobre papel - 26,5 x 21 cm

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Sem título, 1957 - Óleo sobre tela - 46 x 56 cm

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Sem título, 1962 - Tinta óleo e grafite sobre eucatex - 68 x 61 cm

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Sem título, 1961 - Óleo sobre tela - 90 x 74 cm

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Série Mondrian, 1995 - Óleo sobre tela - 80 x 82 cm

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Série Mondrian, 1995 - Óleo sobre tela - 80 x 82 cm

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Estudo para o 4º ciclo - Série Barracas do Nordeste, 1993

Óleo sobre eucatex

81 x 100 cm

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Sem título, 1962 - Tinta óleo sobre papel - 47 x 65 cm

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Série Fachadas do Nordeste, 1996 - Tinta acrílica sobre cartão - 40 x 50 cm

(Coleção particular)

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Série Fachadas do Nordeste, 1996 - Tinta acrílica sobre cartão - 40 x 50 cm

(Coleção particular)

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Nono mistério, 1975 - Datiloscrito e guache sobre papel - 45,6 x 31,5 cm

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Sem título, 1961 - Óleo a seco sobre papel - 71,5 x 48 cm

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Sem título, Tantra - Kirklos, 1970 - Tinta vinílica sobre tela - 86,5 x 86,5 cm

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Sem título, Tantra - Kirklos, 1970 - Tinta vinílica sobre tela - 86,5 x 86,5 cm

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