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Alegra-me, sobremaneira, escrever o texto da presente exposição, e isso se dá às vésperas da galeria completar uma década de existência.  É a primeira vez que assumo tal ofício e o faço por duas razões: expor um artista que, apesar da potência e importância de sua obra, caiu no esquecimento do cenário artístico nacional, encontra abrigo em um dos pilares da galeria: o de reposicionar e corrigir os equívocos da História da Arte; por outro turno, é uma memória afetiva que carrego, Ismael foi um dos primeiros artistas que me fez interessar pela arte.


Porém, dissertar sobre sua obra é uma tarefa espinhosa. Como bem ponderado pelo artista José Cláudio, ao mencionar o colega “Há pintores de tal modo voltados para si mesmos que qualquer comentário sobre sua obra torna-se ingerência indébita. É como se imiscuir nos assuntos da casa alheia”.


Conheci Ismael Caldas (Garanhuns, 1944 / Recife, 2016) em 2005, na sua casa em Olinda. Na ocasião fui advertido que - com sorte - seria recebido no portão. Ismael era conhecido por viver no ostracismo, refratário de encontros sociais, arredio e introspectivo, não gostava das gentes, ao ponto de se comunicar com os amigos mais próximos por cartas - vide as inúmeras missivas trocadas com Francisco Brennand, para quem Ismael “era o maior artista de Pernambuco”.


Para minha surpresa, foi um encontro agradável, de conversa erudita, pelo menos da parte dele, mas não como aquelas em que o protagonista dispara cultura como um diferencial de poder, como sói ocorrer com alguns (pseudos) intelectuais,  Ismael não tinha nenhuma pretensão de provar nada. Ao contrário, sua cultura era engarrafada, não era para ser difundida, não se preocupava o que falavam dele e se falavam.  Jamais cedeu à tentação da mídia, do espetáculo, da fama, dos holofotes.


Produzia moderadamente e suas vendas se davam mais pelo apelo dos colecionadores que por suas ações - aliás, não fazia nada em relação a isto. Por ocasião de uma exposição individual, na festejada Galeria Bonino (RJ), em 1986, dispôs “(...) Gostaria muito de saber especular, ganhar dinheiro etc., mas gasto todo o meu tempo pintando e nunca consegui aprender o segredo da arte de roubar elegantemente, ou de levar vantagem em tudo. É preciso muito talento para tanto.”


Sua pintura não se alinhava a modismos, Ismael pintava os temas afetos a ele e não aos que o expectador ou o mercado demandava. Diferente da verborragia de grande parte dos artistas visuais, ainda mais nos tempos atuais, que discursam em demasia sobre sua obra, Ismael dizia que “a pintura não é uma atividade verbal”.


Aluno de Vicente do Rego Monteiro, desenvolveu uma técnica muito própria da construção da luz em suas obras. Se o grande expoente da Semana de Arte de 22 criou uma técnica escultórica em suas pinturas, como se a figura saltasse da tela, alcançada pelo sombreamento nos limites dos elementos, Ismael, por sua vez, insere com uma exatidão invulgar a luz em suas obras. Como se ele, à exemplo do Ser divino, que ao dizer fiat luz, de imediato a luz se fez, tivesse o mesmo dom ou poder. Ateu convicto, sua luz se deu por outros meios.


Pouco se percebe o gestual da pincelada na sua pintura. Essa técnica, chamada esfumato, foi aperfeiçoada por Leonardo da Vinci, e consiste em sobreposições sutis de tinta, o que produz transições suaves entre tons. É justamente a partir daí que Ismael impunha a luz no ponto de seu desejo. E não se trata de um simples claro-escuro, mas sim de uma variação ainda mais intensa, em que a luz incide de forma dramática, deixando boa parte da tela em sombras ou em um fundo preto, numa técnica tão sua quanto caravaggiana. Tal efeito se verifica com mais frequência nas suas pinturas mais antigas. A partir da década de 90, explora mais intensamente a cor e a gestualidade. 


Segundo Raul Córdula, organizador do livro “Ismael Caldas” (Editora CEPE, 2023), “A pintura de Ismael Caldas é uma expressão do insólito, isto é, do incomum, do infrequente, do anormal, pois trata-se da procura pelo outro lado da beleza. Não se trata de feiura do ponto de vista corriqueiro, mas da realidade escondida na visibilidade da figura que se apresenta despida de engodos e adornos, ou quando estes aparecem, isso acontece como um gesto de ironia, de crítica sarcástica.”


Com efeito, suas pinturas disformes não são apenas grotescas, trazem crítica social, ironia e o desmascaramento das aparências. Notem a série dos políticos, a começar pelo título “corruptos, corruptos”, um flagrante ato de denúncia. Mas não foi apenas de ironias e deformidades que a obra de Ismael se formou. Na série do jazz p.ex. o artista retrata figuras pertencentes ao seu gênero musical preferido, numa paleta de cores mais generosa. 


Esta mostra não tem a pretensão de ser uma retrospectiva do artista, mas apresenta um recorte amplo, que vai da década de 70 a 2010. Nela se vê os múltiplos temas que compõe a obra de Caldas: Animais, políticos, músicos, atletas, cadeiras, itens do cotidiano, autorretrato, figuras humanas de uma forma geral. 


Espero que esta exposição seja como mais uma carta, ainda que tardia, porém oportuna, enviada a Ismael. Não pode ele, como o coronel, personagem do romance de Gabriel Garcia Marques, reclamar que ninguém lhe escreve. A mostra quebra um interregno de quase 60 anos desde sua última participação em um evento em solo paulista, a IX Bienal Internacional de São Paulo (1967). Que seja o primeiro passo para seu reconhecimento e reposicionamento no universo da arte brasileira
 

Texto crítico: Daniel Maranhão

Os temas que uso têm a ver com o mundo em que vivo e, convenhamos, este não é o melhor dos mundos. Por razão de temperamento e estilo pessoal, faço uso do humor (ironia, aliás) sempre que parece justo, outras vezes ao contrário, dou tratamento quase solene, quando o caso exige, em resumo, o que me interessa é a pintura.

— Ismael Caldas, 1990.

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